Vencedor do último Globo de Ouro na categoria Comédia/Musical e eleito o melhor filme de 2017 pela Associação Nacional de Críticos dos Estados Unidos, Lady Bird – A Hora de Voar (2017) consolidou o début da atriz e roteirista Greta Gerwig como diretora. Ela conseguiu o feito de ser a quinta mulher, em toda a história do Oscar, a ser indicada por melhor direção. O filme foi indicado ainda em outras quatro categorias, mas não levou nenhuma. De qualquer modo, a avaliação popular vai bem. Por algum tempo, a obra ultrapassou Toy Story 2, animação da Pixar, e ficou no posto de mais bem avaliada no ranking do Rotten Tomatoes, um influente site de cinema que reúne críticas publicadas em meios diversos. Atualmente, a animação As Aventuras de Paddington 2, que estreou no Brasil em fevereiro, ocupa esse lugar.
No longa-metragem, que estreou em solo nacional também em fevereiro, mãe e filha encaram o desconhecido a partir de diferentes perspectivas. A primeira se encontra em um período de maturidade e privilegia controle e segurança. Os calos criados ao longo da vida trouxeram sabedoria perante as adversidades, mas também embotaram um pouco o lado sonhador de Marion McPherson (interpretada pela atriz Laurie Metcalf), uma enfermeira psiquiátrica. A segunda, porém, está no auge da adolescência e, portanto, com muita energia para desafiar limites e entrar em contato com novas experiências. A jovem Christine McPherson (interpretada por Saoirse Ronan), que prefere ser chamada de Lady Bird — alcunha que inventou para si mesma —, é uma garota de cabelo cor-de-rosa que está no último ano de um colégio católico e prestes a ir à faculdade. Ela quer bater asas e conhecer o mundo, contrariando o destino morno sugerido pela mãe.
Mais do que investigar as complexas nuances que permeiam conflitos familiares, a obra traz também uma reflexão honesta sobre crescimento e amadurecimento. No entanto, como círculos que se interseccionam, existem ainda outras camadas que podem ser observadas no filme. São abordadas situações que envolvem menstruação, sexo apressado com um parceiro que pouco se importa com o prazer da companheira, relacionamentos instáveis e sem nomenclatura, egoísmo, amor, trabalho, amizades e sentimentos de inadequação. Embora não traga nenhuma surpresa, o longa-metragem não deixa de ser um retrato bem construído do que é ser jovem nos anos 2000. E emociona por evocar, em quem está assistindo, lembranças e questionamentos sobre as próprias escolhas, a partir da jornada de autoconhecimento dos personagens.
Com naturalidade e sem levantar bandeiras, a narrativa é conduzida por uma ótica feminina...
...que, ao retratar momentos cotidianos, desnuda também aspectos que revelam conflitos econômicos e sociais que se localizam em Sacramento, capital da Califórnia (EUA). A jovem Lady Bird quer estudar em uma cidade maior, tem vergonha do carro velho do pai e mente sobre o lugar em que vive, na tentativa de impressionar uma colega de escola que é rica e popular, por exemplo. Comportamento típico de muitos adolescentes que querem se recriar de maneiras que considerem mais interessante ao olhar do outro. Contudo, é com uma mistura de aceitação de si mesma e confiança nos próprios sonhos que Lady Bird realmente começa a voar.
Embora existam semelhanças com a vida de Gerwig, o filme não se trata de uma autobiografia. Em uma conferência de cinema em Nova York no ano passado, a diretora falou sobre como a própria experiência é apenas uma referência — e sobre como a obra pode ser vista como uma carta de amor a Sacramento, cidade natal de Gerwig. Ela afirmou que queria fazer um filme que refletisse não apenas o que um lar significa, mas também como partir para outro lugar pode trazer a real dimensão do amor sentido pela própria cidade.
Conhecida como grande representante do mumblecore, um subgênero do cinema independente norte-americano que envolve baixo custo, diálogos naturais e atores amadores (termo principalmente midiático e comumente rejeitado por seus "representantes"), Gerwig está em um momento de ascensão que evidencia também um de seus grandes talentos: a escrita.
A criação e representação de personagens femininas que captam a essência dos dilemas modernos e mesclam pitadas de drama e comédia em suas vidas reforçam o caráter criativo, produtivo e sensível da artista.
Dentro desse papel ativo e multifacetado, ela transcende o mito da musa que é comumente destinado a mulheres que desenvolvem projetos em conjuntos com homens.
Por meio de uma parceria com o cineasta Noah Baumbach, que se tornou mais do que profissional e transbordou para a arena romântica, Gerwig destacou-se por atuar e coescrever o roteiro de filmes como Frances Ha (2012) e Mistress America (2015). Parcerias anteriores, em ambas as esferas, envolvem o cineasta independente Joe Swanberg, e, entre os projetos mais recentes, está também a atuação em Mulheres do Século 20 (2016), de Mike Mills, no papel de uma fotógrafa punk e feminista que precisa lidar com um câncer.
Em um making-of de Lady Bird compartilhado nas redes sociais da Universal Pictures, distribuidora do filme, a diretora contou, ainda, que a relação entre mãe e filha é a principal história de amor do longa-metragem, visto que muitas são as mulheres que possuem relações bonitas e complicadas com as próprias mães. E é por meio dessa relação que é possível analisar diferentes lados das situações apresentadas. Espremer as facetas diversas de um mesmo relacionamento — seja entre famílias, cidades ou até de uma pessoa consigo mesma — é um acerto da obra, que consegue ser simples sem deixar de ser sofisticada. Ao percebermos que Lady Bird e a mãe possuem mais em comum do que imaginam, podemos notar que, olhando mais de perto, algumas diferenças fazem parte do aprendizado humano, mas podem também ser conciliadas.
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