Motivadas pela exposição comemorativa dos 80 anos do xilogravurista e cordelista pernambucano J. Borges (1935), ainda aberta à visitação na galeria principal da Caixa Cultural em Brasília até o dia 22 de julho, resolvemos trazer a literatura de cordel para conversarmos sobre literatura e arte populares ao mesmo tempo, já que o artista reúne maravilhosamente as duas veias.
Nós do Camenas fomos à mostra e admiramos as obras que marcam sua trajetória e outras, assinadas por seus filhos J. Miguel e Manassés Borges. Os visitantes da exposição também podem assistir à exibição da cinebiografia sobre a vida e obra de J. Borges dirigida pelo jornalista Eduardo Homem. Aos 83 anos, J. Borges continua trabalhando com seus filhos em seu atelier em Bezerros (PE), onde ainda cria belas xilogravuras, escreve e ilustra seus próprios folhetos. Desde 2006, ele é considerado Patrimônio Vivo de Pernambuco, título outorgado pelo Governo do Estado.
J. Borges iniciou a vida artística pelo cordel, mas, sem dinheiro para pagar ilustradores para seus folhetos, resolveu fazer as ilustrações por conta própria. Isso também despertou o interesse de outros cordelistas, que passaram a lhe fazer encomendas de matrizes de xilogravura (processo de impressão que utiliza um carimbo de madeira).
Essa técnica de impressão de origem oriental chegou ao Brasil com a Imprensa Real Portuguesa no início do século XIX e, no Nordeste, se destacou nas mãos de grandes artistas como Gilvan Samico (1928-2013, abaixo) e o próprio J. Borges, ambos reconhecidos internacionalmente.
Antes disso, no final do século XVI, a literatura de cordel, muito popular na Europa durante o Renascimento, chegou ao Brasil também por mãos portuguesas, firmando-se no interior do Nordeste como uma das formas de manifestação da cultura popular local. O gênero literário, bem característico da cultura popular nordestina, baseia-se em versos escritos e voltados a um interlocutor presente no momento da enunciação. É a este “ouvinte”, e não “leitor”, que será contada a história. O uso de linguagem coloquial, humor e ironia para tratar de temas relacionados a religiosidade, realidade social e política, mitos do folclore brasileiro e episódios históricos é uma das principais características do cordel.
O cordel tem seu lugar próprio e, por isso, é importante distingui-lo tanto do repente, manifestação oral feita de improviso e acompanhada de instrumentos musicais, quanto da literatura tradicional, presa aos cânones da língua escrita erudita. Contudo, ao entrarmos em contato com a literatura de grandes escritores, como João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna e Guimarães Rosa, identificamos influências do cordel em seus textos, talvez por tratarem da mesma cultura popular nordestina divulgada pelos cordelistas, sendo o cordel também uma de suas expressões.
A Academia Brasileira de Literatura de Cordel (http://www.ablc.com.br/), com sede no bairro de Santa Teresa, na cidade do Rio de Janeiro, reúne milhares de documentos, desde pesquisas, livros e folhetos de cordel. Atualmente, estima-se que no Brasil há cerca de 4.000 cordelistas em atividade. Entre os pioneiros mais famosos, arriscamo-nos a citar os poetas populares Agostinho Nunes, Ugulino de Sabugi, Silvino Pirauá Lima, José Duda, Francisco das Chagas Batista, João Martins de Athayde e Leandro Gomes de Barros, dando destaque a Antônio Gonçalves da Silva, o “Patativa do Assaré”(abaixo), grande referência na cultura brasileira.
Quem achou que a literatura de cordel acabaria em decorrência das novas mídias, enganou-se. Felizmente, o cordel conseguiu atravessar o tempo e manter seu espaço graças às modernidades tecnológicas. Muitas editoras têm dado atenção aos poemas de autores de cordel renomados, imprimindo coletâneas de seus melhores trabalhos e tornando-os acessíveis também nas livrarias do país e em e-books. Outro exemplo da imortalidade dessa literatura está na facilidade de leitura dos folhetos pela Internet. O projeto Cordel — Literatura Popular em Verso, da Fundação Casa Rui Barbosa, por exemplo, disponibiliza online 2.340 folhetos de 21 cordelistas conhecidos.
Para fecharmos o post, copiamos de lá uma estrofe que julgamos ser atemporal. Do cordel ABC da Vaidade, de Rodolfo Coelho Cavalcante, publicado em Salvador, Bahia, em março de 1949, o verbete V diretamente pra você!
Vivemos hoje num mundo
De grande calamidade
Acabou-se a paz na terra
É lama a sociedade
É mentira, meu leitor
O critério e o pudor
Tudo, tudo é vaidade
Agenda:
J. Borges 80 anos
Caixa Cultural de Brasília
Até o dia 22 de julho, das 9h às 21h
Entrada Franca
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