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Com você, Trueba!



Ele tem a minha idade. Mais precisamente, é sete meses mais novo do que eu. Confesso que nunca tinha ouvido falar dele, muito menos de seu reconhecido trabalho. Sua nacionalidade e detalhes da carreira chegaram a mim pela Internet depois que comprei o livro de sua autoria, Blitz, indicação de uma amiga de infância que adora ler, também nossa contemporânea. Estou falando de David Trueba, jornalista, escritor, roteirista e cineasta espanhol, famoso pelas bandas da Europa e pelo mundo do cinema, apreciado por críticos e editores de cultura (não confundir com o também cineasta espanhol Fernando Trueba).


"Madrid, 1987" (2011) um filme baseado em tensões ideológica e sexual entre duas gerações polarizadas.

Numa entrevista ao jornal espanhol El Confidencial (www.elconfidencial.com) em julho de 2008, Trueba recusou-se a optar entre cinema ou literatura e garantiu que a alternância entre as duas formas de criação o enche de entusiasmo e o faz recuperar o desejo de voltar a cada uma delas.


Parece-me que David Trueba é bem mais conhecido pelo seu trabalho como roteirista e cineasta, tendo muito mais filmes realizados do que livros publicados. O seu filme Vivir es fácil con los ojos cerrados (2013, foto), lançado no Brasil dois anos depois com o título Viver é Fácil com os Olhos Fechados, ganhou seis Prêmios Goya e foi o candidato da Espanha ao Oscar de 2015 de melhor filme estrangeiro. Blitz (2015), o livro sobre o qual iremos conversar, foi o quarto trabalho literário de Trueba, vindo depois de Saber Perder (2008), obra com a qual ele ganhou muitos prêmios europeus de destaque.


Cena da comédia dramática "Viver é fácil com os olhos fechados"(2013) dirigida pelo autor.

Mas, afinal, de que trata Blitz? Comecei pegando o livro e fazendo uma predição de leitura, analisando a capa com a ilustração da arquiteta espanhola Berta Risueño. Qual seria a relação do título com aquele homem aparentemente desanimado diante de caixas empilhadas e um mancebo?



Logo pensei no significado mais comum da palavra blitz: batida policial, fiscalização compulsória surpresa. Aquele homem da capa era autor ou vítima de uma blitz? Só lendo... Você também precisará fazê-lo para conhecer a narrativa completa, pois não é meu objetivo contar-lhe a história agora, mas pontuar o que mais me chamou a atenção nela. Por isso, permanecerei no título mais um pouquinho para esclarecer que ele tem a ver com outra acepção de blitz, que nada mais é do que a forma reduzida do termo alemão blitzkrieg, ou guerra-relâmpago. O nome denomina uma manobra militar muito utilizada na Segunda Guerra Mundial, em que forças móveis fazem ataques rápidos e inesperados, sem dar tempo para os inimigos coordenarem qualquer defesa.


Blitz conta a história de Beto, um jovem paisagista espanhol que foi, acompanhado da mulher Marta, apresentar um trabalho num congresso em Munique e, ao chegar lá, foi pego de surpresa por ela com a notícia do término do relacionamento conjugal em nome de um romance que ela estava mantendo com o ex-namorado.



Girando em torno desse eixo principal, temos Helga, uma senhora alemã, divorciada e solitária, que trabalha como tradutora em congressos, prestando, inclusive, serviços de cicerone a convidados especiais desses eventos. As vidas de Beto e Helga se misturam durante o período do congresso e, enquanto ele tenta sobreviver ao agravo que sofreu assim que pisou na Alemanha, sobra tempo suficiente para nós leitores sermos tocados por questões relacionadas a amor, sexo, família, velhice, ciúme, inveja, preconceito, felicidade, sucesso profissional e recomeços. Muita coisa para três dias!


O paisagismo e o projeto que Beto apresentou no congresso em Munique servem como metáforas e trazem o pano de fundo para outras discussões interessantes. O personagem principal propõe aos jurados um parque para adultos, um espaço urbano externo com bancos para leitura e um bosque de ampulhetas de escala humana que daria, segundo ele, oportunidades de abstração ao usuário que, em três minutos, teria a chance de pensar sobre o verdadeiro sentido da vida.


Quer dizer que a oportunidade de experimentarmos, simultaneamente, espaço e tempo se chamaria jardim?

Elucubrações artísticas à parte, o que acontece em Blitz é justamente a experiência de alguém que vê sua vida se esvaindo como a areia de uma ampulheta a partir do momento em que leva um solavanco. O tempo que esse alguém gasta para se reorganizar é o mesmo que a areia leva para formar a base de novo, ficando pronta para outra virada do artefato, movida, talvez, pela lei do Eterno Retorno do Mesmo, teorizada por Nietzsche.


Esse alguém é Beto, mas, como o parque metafórico é público, outros podem passear nele, como fez Helga, para quem o tempo também transcorre. Contudo, por ser mais velha que Beto, ela demonstra estar mais acostumada que ele com os trancos da vida e seus recomeços, embora, à medida que se aproxima de uma nova virada, ela receie sofrer a dor que isso costuma causar. Na palestra de encerramento do congresso, Helga traduziu (e Beto ouviu) o texto que vinha dar sentido ao que protagonizavam:


“A passagem do tempo é a expressão perfeita da fugacidade e é justamente esse fluir que dá significado a cada etapa da vida. O sentido da vida é viver seguindo o sentido da vida”.


Além das ilustrações de Berta Risueño e de imagens de uma das obras de Ambrogio Lorenzetti (1290-1348), que mostra a primeira representação de uma ampulheta, o livro reproduz três nus femininos pintados pelo expressionista alemão Otto Dix (1891-1969), sobre os quais Helga comentou: “São desagradáveis”. Essas imagens fortes somadas às dificuldades dos personagens para encararem o envelhecimento do corpo feminino sinalizam ao leitor como ainda é difícil para nós tratarmos de assuntos como sexo intergeracional e envelhecimento.


Nu reclinado, de 1921 por Otto Dix

Talvez o desconforto de Helga diante dos quadros daquelas mulheres de fisionomias pesadas, corpos flácidos e peitos caídos viesse do fato de se ver nelas, já que, com os espelhos, era brigada há muito tempo. No livro, ela compartilha conosco o ponto de vista de que a velhice é um horror e “a degradação dá muito medo na gente”. Para ela, “por mais que você esteja conformado com a ideia de ficar mais velho, quando a idade chega é uma tragédia”. Na mesma direção e cercado de preconceitos, Beto também demonstra desconforto e arrependimento por ter apalpado o corpo de uma senhora que poderia ser sua mãe. Contudo, esses conflitos ficam mais apaziguados no final da história, quando o autor apresenta mais um sentido da palavra blitz.


Blitz é uma história de amor diferente das outras e que, mesmo sendo curta e fácil de ler, acaba por expor ideias que preferimos esconder. Se a obra passou despercebida por você na época de lançamento no Brasil, não tem problema, a ampulheta do tempo ainda está a seu favor.



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