Johannes Vermeer (1632-1675) era holandês. Pintou poucos quadros, apenas 36 telas são reconhecidas como sendo dele, mas ficou famoso pela luz que conseguia reproduzir em cada uma delas. Atualmente, sua obra não tem preço. A sua pintura mais conhecida é “Garota com Brinco de Pérola”, uma espécie de Monalisa dos países do norte da Europa. No entanto, nosso interesse momentâneo está em “Mulher de Azul Lendo uma Carta”, obra pintada entre 1663-1665, que, por acaso, esteve exposta no Brasil, no MASP, em 2013. A simpatia pelo quadro não vem apenas da técnica do pintor, mas da composição e da habilidade dele em revelar, de forma tão sublime, a intimidade de alguém lendo uma carta.
Seria uma carta de amor? Por vários indícios, acreditamos que sim.
Nesse quadro, Vermeer utilizou muito azul, cor que simboliza a lealdade, a fidelidade, a personalidade e a sutileza. Significa também o ideal e o sonho. O amor romântico é fiel, leal, ideal… Por isso, podemos relacionar o azul a esse amor, percorrendo um caminho bem diferente daqueles que o acham cor-de-rosa. O azul da roupa da modelo transmite o amor presente na carta, que supostamente estava guardada na caixa aberta sobre a mesa forrada por uma toalha também azul. Ao fundo, um mapa-múndi sugere que as notícias vêm de longe, do exterior, de fora, para onde também está voltado o corpo da leitora atenta. Na cena, os segredos dos amantes estão expostos, pois aparecem iluminados pela luz da janela. A carta empunhada dá realidade ao relacionamento, e a gravidez da mulher revela o fruto dessa relação de amor. As duas poltronas azuis estabilizam o sentimento do casal e demarcam os espaços dos amantes que ali conversavam.
A experiência que a mulher da pintura holandesa vivenciava poderia ser repetida hoje, passados mais de 350 anos?
Talvez por mensagens eletrônicas salvas numa nuvem acessível por senha. Mas teria o mesmo encanto? É possível, se considerarmos as mudanças culturais e tecnológicas pelas quais passamos ao longo do período. As cartas de amor, porém, não saíram de moda, pois o sentimento humano permanece o mesmo e faz sentido pela intermediação da palavra e pela correspondência significando relação de reciprocidade. Como estamos falando de mensagens de amor, também fica interessante empregar a palavra "correspondência” pelo seu duplo sentido, pois ela também quer dizer conjunto de cartas.
Em tempos de vínculos virtuais, ainda encontramos pessoas que sentem falta de cartas e declarações de amor no papel, possivelmente por acreditarem que o efêmero precisa estar concretizado para se fazer real.
Se pararmos para pensar, é verdade que algo carnal precisa acontecer para conservar o amor azul, impedindo-o de se desbotar. No poema a seguir, a escritora inglesa Sarah-Jane Lovett sugere que esses recados, pelo menos os maliciosos, sejam guardados num lugar de extrema intimidade. Reflita sobre a ideia e, se você estiver amando, pense no paradoxo: segredos de amor são melhor guardados quanto mais espaço se abre na privacidade.
Cartas de amor
Para onde irão todas as cartas de amor
quando forem tragadas pelo espaço cibernético?
Como ter orgulho do email arriscado
quando ele é reduzido a nada?
Dê-me notas astuciosas para guardar
na gaveta de calcinhas
Dê-me amor secreto num papel que eu possa conservar.
Deixando marcas de encontros causticantes,
visão que me faz chorar.
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