Este ano, a escritora Hilda Hilst (1930-2004) completaria 88 anos. Excêntrica, louca, filosófica, genial. Foram muitos os rótulos que Hilst precisou encarar por ser uma mulher à frente de seu tempo. Conforme contamos neste post, sua literatura densa, rica em inquietações existenciais e bastante inventiva no âmbito da linguagem foi, por muito tempo, rotulada como hermética e de difícil acesso. Hoje, no entanto, a autora figura entre os grandes escritores em língua portuguesa e é a autora homenageada da 16a edição da Flip, que acontece até este domingo 29 de julho. Para acompanhar nosso tributo, reunimos abaixo sete particularidades e curiosidades sobre a autora por trás da obra:
1 – Prolífica carreira: Hilst lançou mais de quarenta títulos
A autora lançou mais de quarenta títulos ao longo dos seus quase cinquenta anos de carreira. Na década de 1950, o livro de poesia Presságios marcou a estreia de Hilst no universo literário. Já a obra Fluxo-Poema, de 1970, foi a primeira em forma de prosa ficcional publicada pela artista, que tem A obscena senhora D, de 1982, como uma de suas grandes obras-primas. Ela dedicou-se também à dramaturgia teatral, escreveu crônicas em jornais, participou de coletâneas e recebeu inúmeros prêmios literários importantes. Muitos dos livros da escritora tiveram as edições originais esgotadas e, a partir dos anos 2000, a Globo Livros reeditou sua obra completa. Em 2016, os direitos de publicação passaram a ser da Companhia das Letras. Traduções de obras de Hilda Hilst circulam em países como Argentina, França, Itália, Portugal, Alemanha, Estados Unidos e Canadá.
2 – Da boemia à reclusão: a autora experimentou de tudo
A escritora viveu uma juventude turbulenta, com muitas festas, amores e viagens. O comportamento avançado da artista escandalizou a alta sociedade paulistana e ela despertou paixões em poetas, escritores, empresários, atores e afins. Em meio a tanta agitação, ela começou a sentir necessidade de ter mais tempo para si mesma e, principalmente, para a própria escrita. Com mais de 30 anos, mudou-se para a fazenda da família, em Campinas (SP), e construiu a Casa do Sol, lugar que se tornou lar e refúgio criativo da autora por muitas décadas. Lá, Hilst abraçou a literatura com devoção, seja escrevendo ou lendo, recebeu amigos e rodeou-se de cães, gatos e natureza.
3 – Hilst tentou seduzir Marlon Brando
Ao passar uma temporada na França durante a década de 1950, a escritora envolveu-se em um breve romance com o ator Dean Martin — importante figura hollywoodiana do século XX que atuou no cinema, na música e na televisão. Contudo, o real interesse da autora era se aproximar do grande astro Marlon Brando e seduzi-lo. Ela chegou a invadir um quarto de hotel em que Brando estava, com a desculpa de ser uma jornalista querendo entrevistá-lo, mas a tentativa de conquista não deu certo — nem a entrevista. Hilst havia bebido e o ator estava acompanhado de um possível amante, segundo o relato da escritora.
4 – A autora tentava gravar vozes dos mortos
Após ler Telefone para o além, livro publicado na década de 1960 em que o sueco Friedrich Jurgenson afirmava ser possível registrar vozes de espíritos com um gravador, a escritora passou a tentar reproduzir experimentos semelhantes diariamente. Contudo, apesar do viés místico envolvendo temas que abrangem seres do além, Hilst tratava a questão como uma experiência científica. Por isso, quando pessoas se aproximavam dizendo que também ouviam vozes, isso irritava a autora: ela não estava ouvindo barulhos dentro da própria cabeça, e sim tentando desbravar maneiras de se comunicar com os mortos por meio de ondas radiofônicas.
5 – A sensação de não ser lida e valorizada frustrava a escritora
No final da década de 1980, Hilst foi entrevistada pelo escritor Caio Fernando Abreu e falou sobre o ressentimento que nutria por não ser lida em uma escala maior, principalmente porque, quando começou a escrever ficção, sentia que sua prosa estava um passo à frente. Para ela, provavelmente existia uma dificuldade geral do público em encarar questionamentos internos que interrompessem a ordem de uma vida bem arrumada, com filhos e compromissos. A miséria e o analfabetismo que assolavam grande parte da população brasileira foram outras questões abordadas por Hilst, que considerou que, perante problemas imediatos, sua literatura não poderia ser prioridade. Em outros momentos, no entanto, ela citou também o descaso do mercado editorial como um empecilho para a própria carreira. A falta de leitores foi um tema abordado em diversas entrevistas pela autora, que realmente se magoava profundamente com o assunto.
6 – Escrever “pornografia” foi uma crítica ao mercado editorial
Em uma entrevista concedida à TV Cultura em 1990, a escritora relatou que escrever O caderno rosa de Lori Lamby, lançado no mesmo ano, foi uma tentativa de gerar incômodo. “É um ato de agressão, não é um livro. É uma banana (...) que estou dando pros editores, pro mercado editorial, porque durante quarenta anos eu trabalhei a sério, tive um excesso de seriedade, de lucidez, e não aconteceu absolutamente nada. E agora acho que as pessoas precisam ser acordadas”, disse, em tom de brincadeira, mas falando muito sério. A obra aborda temas espinhosos, como a pedofilia, e traz também críticas a uma certa subserviência imposta a escritores por parte do mercado editorial, na visão da autora. Alegando querer atrair público, ela lançou ainda outros livros na linha “pornográfica” durante a mesma década, até começar a ficar totalmente desmotivada para lançar novas obras.
7 – O pai esquizofrênico influenciou a escrita da autora
O poeta e jornalista Apolônio de Almeida Prado Hilst, pai da escritora (com ela na foto), conviveu pouco com a filha, mas deixou grandes marcas na vida e na obra dela. Ainda jovem, ele foi internado com esquizofrenia, e o medo de enlouquecer, bem como reflexões sobre a loucura, permearam os questionamentos da autora. Referências explícitas ao pai também estão presentes em poemas de Hilst, como na série Odes maiores ao pai, da década de 1960. O estado mental de Apolônio assustava e seduzia a filha, tornando-se até mesmo uma espécie de obsessão. Em meio a antigos escritos, desenvolvidos ainda em períodos de lucidez, ele mesmo chegou a se questionar sobre como seria a alma na loucura.
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